Aspectos Jurídicos sensíveis do trabalho de clínicas veterinárias, pet shops e médicos-veterinários.

por Dr. Guilherme Juk Cattani

O Conselho Federal de Medicina Veterinária1 trouxe uma relação das áreas de atuação do médico-veterinário e do zootecnista, a qual não deixa dúvidas da elasticidade da competência destes profissionais, senão vejamos:

“Enfim, são diversas as áreas de atuação dos Médicos Veterinários. Confira, logo abaixo, algumas delas:
– Clínica de grandes animais
– Cirurgia de grandes animais
– Cirurgia em médios animais
– Cirurgia em animais de companhia
– Cirurgia de animais selvagens
– Cirurgia de aves
– Cirurgia de peixes
– Cirurgia de carnívoros
– Anestesia de grandes animais
– Anestesia de animais de porte médio
– Anestesia em animais de companhia
– Anestesia de animais selvagens
– Laboratório de diagnósticos
– Laboratório de pesquisas de doenças
– Laboratório de diagnósticos em patologias
– Laboratório de pesquisa em alimentos
– Laboratório de produtos de uso animal
– Laboratório de pesquisa de medicamento de uso animal
– Laboratório para análise de solo e foliar
– Laboratório para analise de água e produtos domi sanitários
– Responsabilidade técnica em feiras, leilões e exposições
– Responsabilidade técnica em zoológico
[…]”

Responsabilidade Civil

Em relação às atividades deste trabalhador, enquanto profissional liberal que é, obedecerá a regra do artigo 14, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, isto é, somente será responsável civilmente por algum erro funcional quando identificada a existência de culpa.

A culpa é aferida mediante a detectação da imprudência, negligência ou imperícia. Não estando presentes nenhum destes elementos de conduta, o dever de reparação por parte do veterinário não pode existir.

Vejamos o que diz o artigo da legislação que regula as relações de consumo, a saber:

Art. 14. […]

§4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Pet Shops e Clínicas Veterinárias

Contudo, no tocante a responsabilidade das empresas de saúde veterinária, quais sejam, clínicas e pet shops, o método de aferição de responsabilidade civil é distinto e mais rigoroso. A responsabilidade, ao contrário do que acontece nos erros profissionais, é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa, bastando a presença da conduta humana, dano e relação de causalidade para surgir o dever do pagamento de uma recompensa financeira.

O dispositivo de lei que trata sobre esta situação também é o 14º do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
[…]

O profissional tem a obrigação de entregar todo o seu conhecimento técnico-científico e energia ao paciente, assim como zelar pelo animal, empregando cuidando, atenção e diligência, sem se comprometer com um resultado específico, mas agindo respaldado no dever de prestar o melhor serviço possível diante das circunstâncias de cada caso e enfermidade.

O quinto capítulo do Código de Ética que rege a profissão traz com clareza estas condicionantes, verbis:

Capítulo V – Da Responsabilidade Profissional

Art. 14. O médico veterinário será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que venham a causar dano ao paciente ou ao cliente e, principalmente:

I – praticar atos profissionais que caracterizem a imperícia, a imprudência ou a negligência;
[…]

Por se tratar normalmente de análises predominantemente técnicas, o juízo de valor do juiz não raras vezes vem lastreado pela opinião do perito, haja vista que o magistrado na maioria dos casos, apesar de possível experiência, é leigo no tema, de modo que se sustenta na substância do exame pericial para estruturar sua decisão. Nessa perspectiva, sobretudo do ponto de vista no médico veterinário ou do zootecnista, é fundamental buscar na literatura o respaldo científico para as condutas tomadas, sendo este um dos pontos mais relevantes na definição de uma demanda.

No que pertine às empresas, inobstante, na prática, a sua responsabilização, em regra, esteja relacionada com a comprovação de culpa do profissional, o processo de análise da responsabilidade passa pela averiguação de prudência e zelo desde o momento da entrada do paciente no pet shop ou clínica veterinária até sua alta ou óbito.

Todo procedimento a ser realizado tem seu conjunto de regras de conduta, devendo ser rigorosamente obedecidos. Desde os serviços de banho e tosa até as cirurgias mais delicadas tem, em que pese as peculiaridades de cada caso, um conjunto mínimo razoável de medidas de segurança e posturas capazes de deflagrar a existência de responsabilidade pelo resultado gerado ou não.

Dever de Informação

Tanto no caso dos profissionais como nas âmbito das pessoas jurídicas, alguns cuidados são imprescindíveis e praticamente imperdoáveis do ponto de vista ético e jurídico quando prestados de maneira deficiente. O primeiro é a informação, principalmente acerca dos riscos, das potenciais dores, desconfortos e infortúnios que podem acontecer no transcurso do tratamento, ressalvados, por óbvio, os riscos imprevisíveis e inevitáveis gerados pelo imponderável da vida humana.

O nível de esclarecimento ao paciente ou seus responsáveis legais devem atingir primordialmente as informações ligadas ao diagnóstico, tratamento e prognóstico, não restando dúvidas sobre os caminhos a serem percorridos no pré, endo e pós-operatório.

Dever de Documentar

O segundo ponto de saliência são os documentos médico-veterinários, notadamente o prontuário clínico, contemplando a ficha de anamnese, eventuais exames e o histórico clínico do paciente, os quais devem ser elaborados com o máximo de precisão, zelo, técnica e concentração, para que não falte qualquer informação. prejudicando o profissional a justiça no processo de aferição de responsabilidade.

Além desses, o termo de consentimento do proprietário previamente a qualquer procedimento realizado é fundamental, resguardando profissional e responsável legal de eventuais conflitos futuros.

O referido termo não é somente relacionado a realização do procedimento, devendo também ser confeccionado como condição indispensável para exibição de imagens do paciente ou de seu caso clínico.

Penalizações Éticas

Afora das implicações no campo judicial, temos as represálias éticas que podem ser aplicadas em caso de infração ao Código de Ética do Médico Veterinário. O artigo 33, da Lei 5.517, de 1968, que regula a profissão, versa sobre as espécies de pena que podem sofrer tais profissionais, vejamos:

Art 33. As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais são as seguintes:

a) advertência confidencial, em aviso reservado;
b) censura confidencial, em aviso reservado;
c) censura pública, em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional até 3 (três) meses;
e) cassação do exercício profissional, ” ad referendum ” do Conselho Federal de Medicina Veterinária.

Cada conduta observada como anti-ética, terá a indicação normativa de sua punição, nos moldes do que ensina os artigos 32 ao 37, do Código de Ética do Médico Veterinário.

Causas Excludentes de Responsabilidade

Para que não se pense que é invencível a imputação de um erro profissional e inevitável a condenação em caso de acusação, a legislação e a doutrina trouxeram hipóteses de exclusão da responsabilidade dos profissionais, quais sejam: caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de seus responsáveis legais e o erro escusável ou risco inerente ao tratamento.

As duas primeiras hipóteses estão conectadas com a previsibilidade e a evitabilidade dos acontecimentos, respectivamente. A terceira situação se refere às situações onde o resultado objeto da demanda judicial ou ética se deu em função de alguma conduta, comissiva ou omissiva por parte do paciente ou de seus responsáveis e não do profissional ou da empresa e a quarta e última hipótese se trata dos casos onde, apesar de identificável a escolha do caminho errado ou menos conveniente pelo profissional, diante das circunstâncias do caso e daquilo que oferecia a ciência médico-veterinária, ele agiu dentro do razoável, levando em consideração aquilo que se espera de um homem médio em paralelo com um profissional cuidadoso e hábil.

Esfera Penal

Saindo da esfera cível e ética e adentrando no temido universo do direito penal, importante a lembrança dos artigos 267, 268 e 269 do Código Penal, senão vejamos:

DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Epidemia

Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena – reclusão, de cinco a quinze anos.
Pena – reclusão, de dez a quinze anos.
§1º – Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
§2º – No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.

Infração de medida sanitária preventiva

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Omissão de notificação de doença

Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Conclusão

Ante o exposto, se o profissional ou a empresa do ramo busca diminuir a probabilidade de responsabilizações éticas, civis, criminais e administrativas deve ter em mente as suas incumbências relativas à informação, conhecimento, vigilância e assistência, além de, preferencialmente, sempre recorrer a um suporte jurídico para situações que demandem defesa técnica, uma vez que a autodefesa está para o direito assim como a automedicação está para a medicina veterinária.

1 Disponível em: http://portal.cfmv.gov.br/pagina/index/id/67/secao/5 Acesso em: 210/03/2019

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